Foi apresentada, à Direção Geral do Património, a 22 de Março de 2013, com carácter de urgência, a Candidatura inclui Memória Justificativa em 3 volumes, um Estudo profundo e irrefutável, assente em argumentos documentalmente comprovados, contendo importantes descobertas históricas, nomeadamente sobre os edifícios das Enfermarias em poste telefónico e das Enfermarias em U, bem como a Igreja em raro estilo rococó parisiense, o imponente Celeiro ou a Sala do Museu de Arte de Doentes, de 1898, mandada construir por Miguel Bombarda.

É subscrita pelas seguintes entidades:
Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (Presidente, Prof. Maria Luísa Figueira)
Sociedade Portuguesa de Neurologia (Presidente, Prof. Vítor Oliveira)
Sociedade Portuguesa de Arte Terapia (Presidente, Dr. João de Azevedo e Silva)
Associação Portuguesa de Arte Outsider (Presidente, Dr. Vítor Albuquerque Freire)
– e, no que respeita ao Edifício Principal, igualmente pela Congregação da Missão (Padre Visitador, Pe Álvaro Cunha) – também conhecida por Padres da Missão, ou de S. Vicente de Paulo (instituição que integra a Família Vicentina, muito activa no país).

A Candidatura é acompanhada por declarações de apoio dos dois mais prestigiados historiadores de arte do país, a Prof. Raquel Henriques da Silva e o Prof. Vítor Serrão, diretores dos Institutos de História da Arte, respectivamente, da Universidade Nova e da Faculdade de Letras de Lisboa.
A Classificação justifica-se pelo facto de o Hospital, fundado em 1848, constituir um Testemunho Único da História da Ciência e da Cultura, e da Memória da Assistência aos Doentes Mentais , e de os Imóveis em causa apresentarem um Valor Arquitectónico e Artístico Excepcional, para o país e a nível internacional.


Apesar de o Balneário D. Maria II (1853) e de o Pavilhão de Segurança (1896) se encontrarem classificados desde Dezembro de 2010, e de o Museu do Hospital se manter parcialmente aberto ao público aos sábados à tarde, os outros preciosos edifícios estão EM RISCO de serem total ou parcialmente demolidos, para dar lugar a um condomínio privado com altas torres e um Hotel, um Atentado Ofensivo ao Património e à História do Hospital e da Congregação, por intenção da Estamo, empresa do Ministério das Finanças.


Juntamos Carta de Candidatura e Síntese da importância dos imóveis a classificar

Para mais informações contactar 933 207 951

Exma Directora Geral do Património Cultural

Dra. Isabel Cordeiro

Assunto: Candidatura como de Interesse Público, de Imóveis do ex Hospital Miguel Bombarda

O Hospital Miguel Bombarda foi o primeiro hospitalar psiquiátrico fundada no país, em 1848, com uma lotação de 300 camas, representando a histórica mudança de atitude da sociedade e da medicina face às doenças mentais, que passam a ser consideradas em pé de igualdade com as demais, beneficiando de tratamento em hospitais especializados.

Encerrado em 2012, o Hospital é um Testemunho Único da História da Psiquiatria, das Neurociências e da Assistência aos Doentes Mentais em Portugal, ao longo de 163 anos, reflectindo todas as suas fases evolutivas, em termos de tendências e de inovações médico científicas, culturais e sociais, em muitas das quais foi pioneiro.

Integra um conjunto de imóveis de diversificadas tipologias e de valor arquitectónico ímpar no país, a maioria dos quais construídos de raiz, funcionalmente inovadores para a época, segundo filosofias assistenciais psiquiátricas específicas e avançadas, formando o que podemos designar por Complexo do ex Hospital Miguel Bombarda, incluindo o Edifício Principal, ex Casa da Congregação da Missão e respectiva Igreja (1720-1740), que não sofreram danos com o terramoto de 1755 e que conservam a maior parte das instalações originais.

E, o que não é menos relevante, o ex Hospital Miguel Bombarda constitui ainda um Espaço de Memória da vivência hospitalar dos doentes mentais em Portugal, com estreita ligação à memória colectiva do país.

A excepcional importância daqueles imóveis para a História da Assistência aos Doentes Mentais, é reforçada pela existência complementar de um Arquivo Clínico, Forense e Administrativo, integral e multifacetado, desde a fundação em 1848 até ao encerramento em 2012, e do Acervo do Museu do Hospital (que permanece aberto ao público) de pintura e escritos de doentes, fotografia, material clínico e mobiliário, com mais de 12000 peças.

Este Arquivo e Acervo é o único conservado no país que retrata, clínica e socialmente, o período de 1848 a 1942, dado que a maior parte da documentação equivalente do Hospital Conde de Ferreira (de 1883) e das Casas de Saúde do Telhal (de 1893) e da Idanha (de 1895) foi destruída. E é raro em termos europeus, como, por exemplo, pudemos verificar nos célebres Hospitais de Waldau, em Berna, Suíça, e de Heidelberg, na Alemanha, onde parte significativa dos arquivos, guardados em sótãos, se perdeu.

Em tempo oportuno, o IGESPAR reconheceu o elevado valor do património do Hospital, ao classificar como Conjunto de Interesse Público, dois dos seus edifícios, o Balneário D. Maria II e o Pavilhão de Segurança, ambos de extrema raridade nacional e internacional, e incluiu na respectiva ZEP todo o recinto hospitalar (Portaria nº 1176/2010, Diário da República, 3ª série, Nº 348, de 24 de Dezembro de 2010).

Contudo, tal como acima explanámos, o Hospital integra outros edifícios de excepcional valor histórico e arquitectónico, e de diversificadas e interdependentes funcionalidades, que não se encontram classificados e salvaguardados, sujeitos ao sério risco de serem, no todo ou em parte, demolidos.

Vimos assim apresentar à Direcção Geral do Património a Candidatura de Classificação, com carácter de urgência, de outros imóveis de excepcional valor do ex Hospital Miguel Bombarda, como de Interesse Público, incluindo, nalguns casos, bens móveis de sítio, indispensáveis à salvaguarda da memória histórica e da própria estética de interiores.

A Candidatura é acompanhada por rigorosa e extensa Memória Justificativa, fruto de recente e inédita investigação, da autoria do Dr. Vítor Albuquerque Freire.

Os Edifícios que propomos serem classificados são: Edifício Principal, Edifício de Enfermarias em poste telefónico, Edifício de Enfermarias em U, Laboratório, Telheiro para o Passeio dos Doentes e pátio contíguo, Oficinas para os Doentes, Cozinha, Muro e Painéis de Azulejos de Autoria de Doentes, Poço e Tanque da Quinta de Rilhafoles.

Os edifícios situam-se na colina a norte do Campo de Santana, com altitude equivalente à Praça do Saldanha, e enquadram-se harmoniosamente tanto na envolvente, ainda na zona histórica, como na paisagem urbana de Lisboa, com o seu sistema consolidado de vistas, que seria irremediavelmente descaracterizada se esses edifícios fossem demolidos e se construíssem outros de maior altura, que afectariam também a extrema beleza do pátio-praça do Pavilhão de Segurança, sem prédios visíveis ao redor e aberto ao céu.

Somos, com os melhores cumprimentos

        Lisboa, 22 de Março de 2013

SÍNTESE DA IMPORTÂNCIA DOS EDIFÍCIOS A CLASSIFICAR

1.Edifício Principal

Grandioso e robusto imóvel, erguido na Quinta de Rilhafoles entre 1720 e 1740, para Casa-Mãe da Província Portuguesa da Congregação da Missão, anterior à actual Casa Central de Paris (a primeira, em St Lazare, foi saqueada em 1789 durante a Revolução Francesa, e depois demolida). A Congregação da Missão (que integra a Família Vicentina, actualmente muito activa) foi fundada no país em 1717 com apoio persistente de D. João V, contribuiu significativamente para a renovação da Igreja Católica em Portugal, nomeadamente formando milhares de padres das paróquias, e estabelecendo-se com os seus missionários em Goa, Macau, e Pequim, substituindo os jesuítas, e depois no Brasil, e desempenhando papel de relevo para a continuidade da língua portuguesa e do cristianismo na Ásia.

O Edifício, que tem sido esquecido pelos estudiosos de Lisboa, apresenta uma tipologia conventual sui generis, concebida para as actividades da Congregação segundo o ideário de S. Vicente de Paulo (1581-1660): austero, com vasta área destinada aos residentes dos retiros e aos alunos dos seminários (cerca de 70 quartos e salas, amplos corredores com cerca de 3 m de largura), em detrimento da dimensão da Igreja ou da existência de claustros. Das raras instituições religiosas de Lisboa a resistir incólume ao terramoto de 1755, conserva a quase totalidade das instalações originais, tal como demonstram as plantas de 1835, agora descobertas e estudadas.

Além do seu todo, no Edifício Principal destacam-se algumas partes de específica importância histórica e arquitectónica:

Igreja – em estilo rococó parisiense, de sóbria mas minuciosa decoração vegetalista, extremamente singular na arquitectura religiosa em Portugal e mantém a quase totalidade da feição original (excepto as 4 capelas laterais e a amputação da entrada) incluindo o seu belíssimo tecto.

Celeiro e Adega – no lado nascente do edifício, provavelmente anterior ao Celeiro da Patriarcal, em Vila Franca de Xira, com imponentes arcadas de volta inteira em lioz, e colunas de secção quadrangular, instalações conventuais de finalidade agrícola, muito raras na cidade de Lisboa.

Gabinete onde o Prof. Miguel Bombarda foi assassinado em 3 de Outubro de 1910, véspera do desencadear da revolução que dirigia, por um doente monárquico – o principal testemunho material da Revolução Republicana, existente em Portugal, conserva a feição da época e o retrato a óleo do Duque de Saldanha com a marca de uma das balas, e a lápide de homenagem colocada em 1911. No segundo andar conserva-se o apartamento onde residiram os diretores (e família), localizando-se aí uma lápide alusiva ao rebentamento de uma granada aquando da revolução.

Sala do Museu de Arte de Doentes e dos Cursos – de 1898, das primeiras instalações museológicas do mundo dedicadas à Arte dos Doentes Mentais, fundada pelo Prof. Miguel Bombarda, com baixo relevo em estuque, no tecto, alusivo às artes e à ciência, um local de enorme importância e significado histórico-cultural, em termos internacionais. Note-se que, no mundo, só em 1900 se realizou a primeira exposição de arte de doentes mentais, em Londres.

Salão Nobre – remodelação de 1948, da autoria do conceituado arquitecto modernista Carlos Ramos, conjuga sabiamente notável azulejaria barroca (um dos painéis possui 14 metros de extensão, sem interrupção por molduras), com um magnífico tecto Arte Déco, integrando ainda obras como o retrato a óleo, do Prof. Miguel Bombarda, de 1911, da autoria de Veloso Salgado.

De salientar ainda a Escadaria da Entrada Principal (de 1897),, a Sala das Arcadas (a seguir à Igreja), os gabinetes do escritor António Lobo Antunes, médico do Hospital até se aposentar em 2005, locais que preferia para o seu trabalho literário, ou a Fonte em Embrechado, do século XVIII, no pátio frente à entrada principal.

2. O Edifício de Enfermarias em poste telefónico (de 1894, e construção iniciada em 1885), é da autoria de José Maria Nepomuceno, o arquitecto do vanguardista Pavilhão de Segurança, e anterior a este. A investigação revela que é um dos primeiros edifícios do mundo com racional implantação em poste telefónico (três blocos paralelos unidos por outro bloco ao centro, facilitando a circulação de pessoas e materiais), antecedendo a Penitenciária de Fresnes, Paris, de 1898, a partir da qual se utiliza a denominação “em poste telefónico”. Além desta característica revolucionária, e de esteticamente ser um edifício de linhas escorreitas, pós neoclássico, pós “belle époque” e pré modernista, segue os celebrados princípios básicos do hospital psiquiátrico ideal, estabelecidos por Esquirol cerca de 1828: de um só piso, proporcionando segurança ao evitar suicídios, debruçado sobre espaços ajardinados para passeio dos doentes, e com dormitórios contíguos ao posto de enfermagem. Constitui assim um marco na história da arquitectura psiquiátrica não asilar, pela sua perfeita adequação assistencial, infelizmente sem continuidade no século XX.

3. O Edifício de Enfermarias em U (1900-1901), também apresenta notáveis características inovadoras para a época. Concebido após uma visita de Miguel Bombarda a vários estabelecimentos psiquiátricos da Europa, ensaia uma separação clara dos arejados dormitórios ventilados por altas chaminés, face aos espaços de apoio (modificando a disposição dominante tipo Nightingale), facilitando a vigilância e as circulações. O pavimento é constituído por lajes e vigamentos em betão armado, uma solução construtiva inovadora a nível internacional.

4. O Laboratório (1898), com sala de autópsias, de grande importância histórica, pequeno edifício, não sujeito a qualquer alteração, é o testemunho do lançamento e do ensino da moderna investigação médico científica em Portugal, iniciados fora da Faculdade de Medicina, no Hospital de Rilhafoles, pelo Prof. Marck Athias, (por convite de Bombarda, que mandou construir o edifício com essa finalidade), vindo da Sorbonne, sendo seus alunos uma nova geração de clínicos que iriam marcar a Medicina portuguesa, como Celestino da Costa, Carlos França ou Azevedo Neves.

5. Telheiro para o Passeio dos Doentes (1894-1895), em madeira, ferro fundido e telha, da autoria do arquitecto José Maria Nepomuceno, é uma construção única no país e rara internacionalmente, de grande dimensão mas elegante e bem integrado na envolvente, representando a humanização proporcionada pelo passeio diário dos doentes nos jardins e abrigos, ao ar livre, no período do Prof. Bombarda.

6. Oficina para Doentes (1896), também do arquitecto José Maria Nepomuceno, é um edifício pequeno e singelo, de baixo custo, mas digno e de funcionalidade perfeita, testemunho da vivência hospitalar, que incluía a terapêutica pelo trabalho.

7. Cozinha (1906), uma construção de tipo industrial, com cobertura piramidal para extração de fumos por lanternim-respiradouro, de extraordinário valor arquitectónico, sem paralelo no país, com sofisticada e espectacular estrutura ajustável em ferro, formada por 33 esticadores, 33 amarrações e fecho octogonal ao centro, suportando as cargas, e conferindo estabilidade, quer à cobertura, quer às paredes exteriores mestras.

8. Painéis de Azulejos, com 165 exemplares diferentes, criados e colocados por Doentes no muro junto ao Hospital de Dia, uma obra artística sem paralelo, de assinalável raridade internacional, pela multiplicidade temática e estilística, representativo da espontânea criatividade das pessoas com perturbação psíquica, expressa num meio de tradição identitária portuguesa.

9. Poço e Tanque da Quinta de “Rilha-Foles”, exemplar muito raro de equipamento de uma quinta dos arredores da Lisboa medieval, hoje no centro da cidade, utilizados sucessivamente, ao longo dos séculos, nos trabalhos agrícolas da quinta, do convento e do hospital.