“Nous entendons par là [ Art Brut ] des ouvrages exécutées par des personnes indemnes de culture artistique, dans lesquels donc le mimétisme, contrairement à ce qui se passe chez les intellectuels, ait peu ou pas de part, de sorte que leurs auteurs y tirent tout (sujets, choix des matériaux mis en oeuvre, moyens de transposition, rythmes, façons d’écritures, etc) de leur propre fond et non pas des poncifs de l’art classique ou de l’art à la mode. Nous y assistons à l’opération artistique toute pure, brute, réinventée dans l’entier de toutes ses phases par son auteur, à partir seulement de ses propres impulsions. … “

“Nós entendemos por esse termo [ Arte Crua ] as obras executadas por pessoas intocadas pela cultura artística, nas quais, portanto, o mimetismo, contrariamente ao que sucede com os intelectuais, desempenha pouco ou nenhum papel, de modo que os seus autores obtêm tudo (temas, escolha de materiais utilizados, meios de transposição, ritmo, maneiras de escrever, etc) do seu sentir profundo e não das convenções da arte clássica ou da arte em moda. Assistimos a uma operação artística inteiramente pura, crua, reinventada no conjunto de todas as suas fases pelo seu autor, somente a partir dos seus próprios impulsos. … “

Jean Dubuffet, “L’Art Brut préféré aux arts culturels”, Galerie René Drouin, Paris, 1949

 

“Existem em Lausanne, em Nova York, em todo o mundo, museus dedicados a Arte Marginal “Art Autre”.

Visões directas do Inconsciente que nos ensina e nos comove profundamente. É a arte que mais admiro.

Dediquei anos ao Henry Darger, empregado de hospital de Chicago sem treino artístico, que criou um mundo belo e negro de fantasia contando a história das Vivian Girls.

Desenhar, pintar, esculpir, bordar, fazer misturas, é o melhor tratamento, o único mesmo,  para as angústias mentais.

Os aflitos têm de ter acesso a espaço com material de arte para eles próprios descobrirem o que os tortura “

Paula Rego, Dezembro de 2010

 

A Arte Outsider além de bastante diversificada, não corresponde a um estilo ou a um movimento. Assim, para sermos breves, a Arte Outsider identifica-se desde logo pela sua diferença temática e pela sua originalidade formal em relação à arte institucionalmente aceite, ou “oficial”, de várias épocas ou movimentos. Também, geralmente, pela utilização de outros materiais e técnicas personalizadas, por vezes com alguma sofisticação. E ainda, fundamental no conceito, a Arte Outsider é criada, na grande maioria dos casos, por autores autodidatas, isolados ou sem ligação com a arte convencional, e é fruto do sentir profundo do autor: daí a sua inventividade, autenticidade e espontaneadade.

Só parte da arte de doentes com perturbação psíquica (episódica ou não) se enquadra na Arte Outsider: estes doentes criam também arte naive e arte convencional, ou próxima dela. Por outro lado, deve também realçar-se que só uma parte da Arte Outsider é produzida por autores com perturbação psíquica, como se infere do conceito de Jean Dubuffet, facto comprovado pelas obras de grande número de artistas outsider não-doentes.  Note-se ainda que, ao contrário da arte naive, também produzida por autodidatas (com temática, expressa com minúcia, versando sobretudo a paisagem ou o quotidiano), o autor outsider não tenta basear-se na arte convencional.

Com o extraordinário florescimento da arte institucionalmente aceite, ao longo do século XX (em muitos casos por influência da arte outsider …), verificou-se algum esbater de fronteiras. … Enfim, identificar, e também determinar com rigor o valor relativo da multifacetada Arte Outsider requer estudo crítico e conhecimentos alargados, não só deste tipo de arte, das obras e dos seus autores, bem como da chamada arte institucionalmente aceite, seu contraponto.

A DESIGNAÇÃO EM PORTUGUÊS

Jean Dubuffet identificou e conceptualizou a arte, discriminada pela sociedade, que chamou Art Brut, marco importantíssimo para o seu reconhecimento e salvaguarda. A palavra “brut”  foi utilizada no sentido prevalecente em francês, de “crua”, ou “não cozinhada” (pela cultura ou padrões).

Em Portugal o pequeno círculo que utilizou o termo, traduziu-o como Arte Bruta (por vezes sem conhecer exactamente o respectivo conceito). Opomo-nos a essa designação, não só por ser uma tradução errada, como principalmente pelo seu pendor depreciativo, ou mesmo ofensivo, quer para obras quer para autores.

Optámos por escolher a designação Arte Outsider, a mais utilizada internacionalmente, tal como outras palavras estrangeiras adotadas em português no domínio das artes (design, arte naive, arte deco, etc), perante a inexistência de palavra ou designação apropriada, na língua portuguesa.

Jean Dubuffet

Alfredo dos Santos, 1933, enfermaria desconstruída, sem paredes e pavimento, Museu Miguel Bombarda

Desenho, Coleção Prinzhorn

Henry Darger (1893-1973)

Joaquim Demétrio, 1964, Museu Miguel Bombarda

August Natterer (1868-1933), Pastor do milagre, c.1919, Coleção Prinzhorn