Aloise Corbaz (1886-1964) – Nascida em Lausanne, era uma mulher educada, que foi precetora na corte do Kaiser, por quem desenvolveu uma obsessão amorosa. Após o início da guerra retorna à Suiça e as suas crises de agitação levam a família a solicitar o seu internamento em 1918, que se manterá até falecer. Encontra na pintura refúgio e terapia para a sua instabilidade psíquica. Pinta sobretudo mulheres famosas pela sua vida amorosa, utilizando grandes formatos pela junção de várias folhas, em figurações vistosas (bem destacadas no Museu de Lausanne) e complexas, de cores quentes, onde os pormenores escondem sempre algum significado. [baseado em “Michel Thévoz, Collection de L’Art Brut Lausanne, 2001”]

Eugene von Bruenchenhein (1910-1983) – Nasceu e viveu em Wisconsin, onde trabalhou numa loja de horticultura e depois numa padaria, casado com Marie, a sua companheira de sempre. Ao contrário da maioria dos artistas outsider, tentou obter sucesso, mas o valor da sua vasta e multifacetada obra só foi reconhecido progressivamente após a sua morte. As mais de mil notáveis e singulares pinturas a óleo descrevem um mundo sobrenatural e orgânico (também bombas nucleares e arranha-céus), de surpreendente profundidade espacial, inventando técnicas únicas e sofisticadas, pintando com os dedos e com apetrechos ainda hoje em parte desconhecidos. Também fotógrafo exímio e obsessivo, deixou-nos alguns milhares de exemplares a preto e branco, por vezes coloridos à mão, retratando a jovem mulher Marie em poses semi-eróticas de pin-up ou de grande estrela, com vestes improvisadas mas eficazes, em fotografias com um toque encantador de ingenuidade e cumplicidade, bem diferenciável do comum. E criou centenas de esculturas, de ossos de galinha e peru, de cimento e cerâmica, desenhos geométricos de complexa elaboração, instrumentos musicais, poesia, e prosa de teor autobiográfico e filosófico (ver pinturas a óleo do autor neste Site).

Henry Darger (1892-1973) – Filho de um alfaiate de Chicago, teve uma infância difícil e traumática. Com 4 anos de idade a mãe morre após o parto de uma sua irmã que é dada a adopção. Aos 8 anos é internado num asilo-orfanato católico e aos 15 anos o pai morre. Marcado desde a infância, que talvez lhe tenha provocado alguma perturbação, pelo menos de personalidade, Darger foge do asilo aos 17 anos e inicia a sua vida profissional como auxiliar (empregado de limpeza, vigilante, etc) em pelo menos três Hospitais católicos de Chicago, até se reformar. A sua vida, que não está suficientemente investigada, parece ser a de um solitário. Desde 1915 escreve a sua opus, um monumental romance épico, intitulado “Nos Reinos do Irreal” descrevendo a grandiosa e sangrenta guerra de rebelião de inocentes raparigas, as Vivian Girls, contra o exército dos Glandelianos, que as haviam submetido à escravidão e assassinavam cruelmente. O texto dactilografado totaliza 15000 páginas, ilustrado ao longo de décadas por centenas de magníficas pinturas a aguarela, tinta, lápis e colagens, com técnicas por ele inventada (como a cópia e decalque de figuras e rostos de revistas, e o seu redimensionamento através de trabalho fotográfico), minuciosamente executadas, muitas de grande formato atingindo 3 metros ou mais de largura (a frente e a verso de folhas sucessivas), geralmente com paisagens soberbas e encantador cromatismo, evocando um estranho e inquietante mundo quer de cenas idílicas quer de cenas de extrema violência. Além deste texto acompanhado da pintura épica, Darger deixou uma autobiografia e algumas centenas de pequenas colagens, desenhos e esboços. O conjunto desta obra foi descoberto pelo senhorio do quarto onde habitou durante décadas, pouco antes do seu falecimento, quando Darger teve de ser internado num lar de idosos (ver obras de Henry Darger neste Site).

Johann Hauser (1926-1996) – Segundo os médicos, a sua idade mental correspondia à de uma criança de 8 anos, mas foi dos mais impressivos artistas que brotaram do celebrado ateliê do Hospital de Gugging, perto de Viena, criado em 1981 pelo Dr. Leo Navratil. Os seus desenhos a lápis conjugando cores contrastantes, representam sobretudo mulheres, nas quais exagerava as características físicas femininas, tornando-as personagens eróticas e exuberantes.

August Natterer (1868-1933) – Após estudos secundários teve a profissão de mecânico, relatou diversas viagens pelo mundo, trabalhou durante 10 anos numa universidade, era casado e evidenciava talento e gosto pela aventura. É internado em 1907 com esquizofrenia, e começa a desenhar em 1911, com 43 anos de idade. É um dos artistas a quem Hans Prinzhorn dedica um sub-capítulo no seu influente livro de 1922. Os desenhos irreais, simbólicos e insólitos de Natterer (que, segundo o próprio, descrevem uma única grande alucinação que sofreu) tornaram-se a principal fonte onde os surrealistas se inspiraram, ou mesmo se basearam, a nível das artes plásticas. As obras que se conservaram de Natterer encontram-se arquivadas ou expostas no Museu do Hospital Psiquiátrico de Heidelberg, Alemanha (ver desenhos Natterer neste Site).

Martin Ramirez (1895-1963) – Emigrante mexicano nos EUA, viveu internado num hospital psiquiátrico desde 1930 com esquizofrenia profunda. Só nos 13 anos antes de falecer começou a desenhar e as suas primeiras obras eram destruídas pela instituição. Depois, com a proteção de um dos psiquiatras, desenvolve a sua arte, muito personalizada e original, onde são comuns as molduras lineares e curvas concêntricas criando um efeito de perspectiva ou de paisagem, por onde surgem personagens como cavaleiros armados, animais ou comboios. A sua obra (que totaliza cerca de 340 desenhos) foi divulgada pela primeira vez no V Congresso Internacional de Psiquiatria realizado na cidade do México em 1971, no qual também estiveram expostas diversas pinturas e desenhos de doentes do Hospital Miguel Bombarda, entre as quais de Jaime Fernandes.

Judith Scott (1943-2005) – Nasceu em Cincinnati, Ohio, USA, com doença de Down acentuada, e surda-muda, o que a tornou incapaz de comunicar verbalmente ou por escrito. Aos 7 anos é dramaticamente internada numa instituição, separada da família e sobretudo da sua irmã gémea, saudável, com quem compartilhava os afectos. Só 36 anos mais tarde a irmã conseguiu obter a custódia de Judith, que começa então a criar peças escultóricas enigmáticas, de grande originalidade e beleza, por vezes assemelhando-se à figura humana, formadas por camadas de fios de várias tonalidades, encobrindo-se sucessivamente a partir de uma estrutura central. (ver fotografia de peças desta artista neste Site).

Bill Traylor (1854-1947) – É um caso extremo de vocação tardia e outro exemplo de um outsider sem perturbação neuro-psíquica. Nasceu no Alabama, foi escravo até à abolição, e depois dos 84 anos de idade, cerca de 1939, após ter emigrado para Montgomery, começou a desenhar na rua, onde vendia as suas obras. Desenhos muito característicos sobre cartão, de pessoas e animais, quase sempre de perfil e em movimento, em composições planas, sem perspectiva, descrevendo um quotidiano singelo e com alguma subtil ironia.

Adolf Wolfli (1864-1930) – É considerado o primeiro grande artista outsider, revelado no livro de Morgenthaler publicado em 1921, onde pela primeira vez é atribuído significativo valor à arte de um doente mental. Wolfli era oriundo de uma família pobre, de pai alcoólico que abandonou a mãe quando ele tinha 5 anos. Segundo a lei da época foram separados e o jovem Wolfli foi destinado a trabalhar numa quinta, enquanto obtinha algum nível de instrução. Mais tarde em Berna, e após alguns amores fracassados, obteve empregos variados, resvalando para a pequena criminalidade, sendo em 1895 detido por molestar sexualmente uma criança, e internado no Hospital de Waldau, Berna. Doente violento e conflituoso, permaneceu quase sempre isolado na sua cela até falecer. O seu gosto pelo desenho manifesta-se logo a seguir, embora as primeiras obras tenham sido destruídas ou desaparecido. Durante anos concebe e realiza a grande obra da sua vida, uma narrativa subdividida em livros temáticos, formada por 45 grandes volumes e 16 cadernos, totalizando 25 mil páginas, a maioria prosa e versos manuscritos, mas incluindo mais de 1620 desenhos e de 1640 colagens, um todo articulado, onde frequentemente surgem as partituras (em notação por si reinventada), das suas composições musicais, que criava com o auxílio de um cornetim por ele construído. [dados de Elka Spoerri, curadora da colecção da narrativa, sediada em Berna, in “The Art of Adolf Wolfli”, 2003]. Além desta grande obra múltipla e planificada, Wolfli desenhou também em folhas soltas, geralmente de pequeno formato e de motivos simples, para vender ou oferecer, porventura poucas centenas. Dos primeiros desenhos conservaram-se somente 50. Além da imaginação grandiloquente dos seus escritos, Wolfli é sobretudo um brilhante e inovador artista gráfico, que sobrepõe vários planos, de elaboração muito complexa, embora repetindo aspectos decorativos e figuras características, como as cabeças redondas com mascarilha a negro, e as longas focas ou peixes. Segundo Edward Gomez a arte de Wolfli antecede a arte psicadélica dos finais dos anos 1960, de linhas e padrões curvos acentuados sugerindo movimento e ritmos musicais, além de considerar Wolfli um precursor da linguagem multidimensional dos novos media, como os da internet, ao integrar nos desenhos complexos de sucessivos planos e partes, textos, música e imagens recortadas de revistas, em sequências díspares da representação do tempo [ in “The Art of Adolf Wolfli”, 2003 ] (ver desenhos de Adolf Wolfli neste Site)

Carlo Zinelli (1910-1974) – Grande nome da arte outsider, Zinelli nasceu numa aldeia perto de Verona e desde cedo começou a trabalhar no campo. Em 1936 cumpre o serviço militar numa força para-militar, o Batalhão dos Caçadores Alpinos, ingressando de novo nesse batalhão em 1938, uma experiência que marcou a sua vida, e que posteriormente evocava nas suas pinturas. Em 1939 participou na violente guerra civil espanhola, somente por dois meses, por manifestar perturbações psíquicas, o que conduziu à sua reforma em 1941, e posteriormente, ao seu internamento em 1947 no Hospital de Verona, com o diagnóstico de esquizofrenia major. Aí começa a pintar no ateliê criado em 1957, consecutivamente durante cerca de 14 anos, até ao encerramento do hospital, protegido pelo seu psiquiatra, que lhe fornecia os materiais e que salvaguardou a maioria das suas obras. Zinelli pintava figuras habitualmente de perfil e com o corpo preenchido por círculos, em composições muito diversas e de execução perfeita, de cores fortes e vibrantes, que talvez tenham levado Dubuffet, no início, a duvidar que a sua pintura fosse considerada Art Brut (demonstrando que as fronteiras da Arte Outsider por vezes não são claras) (ver obras de Zinelli neste Site)

Aloise Corbaz, “Os seus passos na noite”, 56 x 21 cm

Eugene von Bruenchenhein. Fotografia, colorida manualmente, da sua esposa Marie, c. 1945-1951, 20 x 25 cm

Henry Darger, pormenor de desenho

August Natterer, “Anticristo”, 1911-1919, lápis s/ papel, 26 x 20 cm, publicado no livro de Hans Prinzhorn, de 1922

Martim Ramirez

Bill Traylor

Adolf Wolfli, desenho de média dimensão

Fotografia de Carlo Zinelli no Hospital de Verona, cerca de 1960