SÍNTESE CRONOLÓGICA – NO MUNDO E EM PORTUGAL

ARTE OUTSIDER – do interesse clínico, ao conceito e à consagração

c. 1335 – Desenhos do religioso Opicinum de Canistris e descrição pelo próprio da sua doença, preservados na Biblioteca do Vaticano.

1838 – O Dr. William Browne, superintendente do Hospital Real de Crichton, Escócia, começa a colecionar obras de arte de doentes mentais, mas a quase totalidade não chegou aos nossos dias

1853 – O escritor Victor Hugo inicia os seus desenhos de traço rápido e quase contínuo, executados em semi-obscuridade, e que não divulgou.

1861 – Primeira exposição de arte mediúnica, de Georgiana Houghton, em Londres, numa época de grande popularidade do espiritismo.

1864 – Publicação de “Genio e folia”, de Cesare Lombroso (1835-1909), sobre a relação entre a genialidade na arte, literatura e ciência, e a perturbação mental, uma ligação que exagerou sobremaneira, fruto da mentalidade romântica da época.

1876 – Publicação em França pelo psiquiatra Paul-Max Simon do primeiro artigo significativo a nível mundial exclusivamente dedicado à arte de doentes mentais, “L’Imagination dans la folie”.

c.1894 – O Prof. Miguel Bombarda (1851-1910) inicia uma coleção de arte e de escritos de doentes no Hospital Psiquiátrico de Rilhafoles em Lisboa (depois Hospital Miguel Bombarda), uma das primeiras do mundo, essencialmente com objectivos clínicos. A quase totalidade da coleção encontra-se desaparecida ou foi destruída.

1900 – Editado em Lisboa o livro “Pintores e Poetas de Rilhafolles”, da autoria de Júlio Dantas, em que descreve e analisa a coleção iniciada por Bombarda.

1900 – Primeira exposição realizada no mundo de arte de doentes mentais, organizada pelo Hospital Real de Bethlem, em Londres

1905 – Exposição da colecção do Dr. Auguste Marie, no Asilo de Villejuif, Paris.

1907 – Publicação do livro “L’Art chez les fous” sobre a arte dos doentes mentais pelo Dr. Marcel Réja (Paul Meunier) ilustrado com obras da coleção do Dr. Auguste Marie.

1921 – Walter Morgenthaler (1882-1965), do Hospital de Waldau, Berna, Suiça, publica um livro exclusivamente dedicado à vastíssima obra do seu doente Adolf Wolfli (1864-1930) (desenho e pintura, prosa épica e música), considerado o primeiro grande artista outsider. Pela primeira vez, um estudo fundamentado apresenta a arte de um doente mental como de singular valor artístico.

1922 – Publicado o livro de Hans Prinzhorn (1886-1933), historiador de arte e psiquiatra, “A Expressão Artística dos Doentes Mentais”, profusamente ilustrado, onde o autor analisa detalhadamente as características da arte desses doentes, e destaca o seu valor artístico e originalidade. O estudo baseou-se numa coleção de cerca de 5000 obras, recolhidas selectivamente desde 1919 em diversas instituições psiquiátricas europeias, a depois tornada famosa e denominada Coleção Prinzhorn, sediada no Hospital Psiquiátrico de Heidelberg, Alemanha. Apesar de só mais tarde ter sido traduzido para francês e inglês, o livro influenciou fortemente vários movimentos artísticos e sobretudo o surrealismo.

1945 – Após colecionar arte infantil, e iniciar a coleção de arte de doentes autodidatas, o pintor francês Jean Dubuffet (1901-1985) viaja pela Suiça onde visita algumas instituições psiquiátricas e a coleção de Waldau, incluindo a obra de Adolf Wolfli. Numa carta utiliza a expressão Art Brut.

1949 – Na sequência da fundação da Compagnie de l’Art Brut, por Jean Dubuffet, André Breton, Jean Paulhan e outros, no ano anterior, é realizada a primeira grande exposição da Collection de l’Art Brut constituída por Dubuffet, na Galeria René Drouin em Paris. Jean Dubuffet, em texto-manifesto, lança a designação e o conceito de Art Brut, esclarecendo o seu significado, e tornando possível, a partir daí, identificar, estudar e estabelecer o valor relativo das obras, um marco fundamental para a salvaguarda e divulgação deste tipo de arte.

1952 – Inaugurado no Rio de Janeiro o Museu das Imagens do Inconsciente, no seguimento do trabalho terapêutico inovador de Nise da Silveira.

1957 – Carlo Zinelli (1916-1974) inicia a sua actividade pictórica, que se manterá por 14 anos, no ateliê do Hospital de Verona, Itália.

1969 – Falecimento de Jaime Fernandes (1899-1969), doente de evolução prolongada do Hospital Miguel Bombarda, até hoje o mais famoso artista outsider português, representado em coleções e museus estrangeiros. Desenhou sobretudo entre 1962 e 1969.

1972 – O historiador de arte inglês Roger Cardinale publica o livro “Outsider Art” onde além de perspectivar obras e autores, cria a expressão correspondente para a língua inglesa, Outsider Art, que se popularizará nas décadas seguintes

1973 – Descoberta a impressionante obra de Henry Darger (1892-1973), pouco antes da sua morte, pelo senhorio do quarto onde residia, em Chicago.

1975 – Michel Thévoz publica o livro “L’Art Brut”.

1976 – Após diversas vicissitudes, e a indiferença da cidade de Paris, a Collection de l’Art Brut, então com 6000 exemplares recolhidos por Jean Dubuffet, abre ao público, com esse nome, em Lausanne, Suiça. Foi o primeiro Museu dedicado exclusivamente à Arte Outsider e é considerado o melhor existente no mundo com mais de 60000 obras.

1988 – Exposição da vasta obra até aí desconhecida de Eugene Von Bruenchenhein (1910-1983), incluindo pintura, escultura, fotografia e poesia, em Wisconsin, EUA, estado onde viveu.

1989 – Primeiro número da revista inglesa, de projeção internacional, Raw Vision (Arte Outsider e Arte Popular Contemporânea), dirigida por John Maizels, galardoada pela UNESCO como melhor revista de arte do mundo.

1995 – Fundação do American Visionary Art Museum, em Baltimore…

1996 – Falecimento de José dos Santos, camponês e escultor outsider português. Perante o imobilismo e desconhecimento no seu país, a sua coleção, com cerca de 250 obras, algumas com figuras em tamanho natural, são oferecidas por última vontade do autor a dois investigadores residentes em Inglaterra, que o haviam descoberto e conhecido. A coleção pertence actualmente ao centro de arte outsider da Universidade de Sydney, Austrália.

1997 – O American Folk Art Museum, de Nova Iorque, abre o centro contemporâneo, com destaque para a Arte Outsider

1999 – Fundação da Collection  ABCD (Art Brut connaissance et diffusion) sediada em Paris, de Bruno Decharme.

2001 – A Coleção Prinzhorn é aberta ao público como Museu, no Hospital de  Heidelberg.

2004 – Abertura ao público do Pavilhão de Segurança, Museu do Hospital Miguel Bombarda em Lisboa, dedicado à Arte de Doentes (Arte Outsider, Arte Naive e arte convencional) e às Neurociências. Realizam-se obras de restauro no Pavilhão de Segurança em 2005, 2006 e 2007, e efectuam-se estudos prévios para o restauro do Balneário D. Maria II. Actualmente, com mais de 5000 desenhos e pinturas de doentes, desde 1902, mais de 5500 fotografias, milhares de objectos clínicos e mobiliário, além de dezenas de milhar de documentos desde 1848, é o único Museu de Arte Outsider da Península Ibérica.

2010 – Inaugurado em Setembro o LAM, Museu Lille-Metropole, França, dedicado à Arte Moderna, Arte Contemporânea e Arte Outsider.

2010 – Em Dezembro, perante o encerramento do Hospital Miguel Bombarda, é dirigido um Apelo às ministras da Saúde e da Cultura, pela Continuidade e Desenvolvimento do Museu no hospital, e pela salvaguarda do acervo e arquivos hospitalares, subscrito por grandes personalidades da Cultura e Ciência, nomeadamente Paula Rego, António Damásio, Simonetta Luz Afonso, Raquel Henriques da Silva, Manoel de Oliveira, Júlio Pomar, Eduardo Nery, Joana Vasconcelos. A 24 de Dezembro é publicada em DR (Portaria 1176/2010) a classificação definitiva do Balneário D. Maria II e do Pavilhão de Segurança como Conjunto de Interesse Público, e considerado Zona Especial de Proteção todo o Hospital, incluindo os outros edifícios.

2011 – A Resolução da Assembleia da República nº 99/2011, DR de 2 de Maio, aprovada por unanimidade em plenário, recomenda ao governo de então, a preservação e valorização do património móvel do Hospital Miguel Bombarda, nas suas instalações, incluindo os elementos artísticos, documentais, clínicos e o mobiliário, mantendo-o como espaço museológico aberto ao público.

António Gameiro, projeto de enorme fonte, 1902, col. particular depositado no Museu Miguel Bombarda

Capa do livro de Júlio Dantas “Pintores e Poetas de Rilhafolles”, 1900

Adolf Wolfli (1864-1930)

Hans Prinzhorn

Jaime Fernandes, Museu Miguel Bombarda

José dos Santos (c.1900?-1996), figura hermafrodita

Entrada do edifício conventual, Museu Miguel Bombarda

Judith Scott (1943-2005), 4 esculturas em fio e tecido, expostas no American Folk Art Museum