Arte Outsider, Arte de Doentes e Neurociências

Outsider Art, Patient Art and Neurosciences

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Horário e Informações / Visiting Days and Other Information

  • Quartas: 11,30 – 13,00h / Sábados: 14,00 – 18,00h
  • Wednesday: 11,30 – 13,00h / Saturday: 14,00 – 18,00h
  • Entrada Gratuita / Admission Free
  • R. Dr. Almeida Amaral nº 1, Lisboa (perto do Campo de Sant’Ana e R. Gomes Freire / near Campo de Sant’Ana and R. Gomes Freire)
  • See english text and 31 photos in this page
  • Ver no final desta página o Apelo das Personalidades, de Dezembro de 2010, para a Salvaguarda e Desenvolvimento do Museu Miguel Bombarda, de Arte  de Doentes e  Neurociências (texto integral).

O Museu é o único do género na Península Ibérica.

Fundado em 2004, inclui surpreendentes e únicos edifícios e locais de diferentes épocas: o Pavilhão de Segurança (1896), construído para doentes vindos da Penitenciária, da autoria do Arq. José Maria Nepomuceno, é um edifício único e vanguardista em termos internacionais, que antecipa em 30 anos o design e a arquitectura moderna das décadas de 1920 e 1930, (arredondamentos de arestas racionalistas generalizados em bancos, portas e janelas, para evitar contusões, proporcionar maior resistência e facilitar a limpeza) e um dos seis edifícios circulares panópticos (sistema inventado por Jeremy Bentham) no mundo e o único com pátio a descoberto (para os doentes permanecerem ao ar livre durante o dia, melhorando o seu estado de saúde e evitando a transmissão de doenças); o Balneário D. Maria II (1853), para banhos terapêuticos aplicados em psiquiatria, considerado o melhor da Europa; o Edifício principal, ex-casa religiosa (séc. XVIII); gabinete onde o Prof. Miguel Bombarda foi assassinado na véspera da Revolução Republicana em que ele foi o principal dirigente e organizador; Salão Nobre com notáveis painéis de azulejaria barroca, etc

E, sobretudo, os visitantes podem apreciar parte das notáveis coleções:  Arte de Doente incluindo Arte Outsider (6000 obras), de todas as décadas do século XX, a mais antiga e maior do país, de centenas de autores, incluindo Jaime Fernandes, Joaquim Demétrio, Valentim de Barros e José Gomes, e representando diverso tipo de abordagens, como a arte-terapia, ou de meios, como o azulejo (o Prof. Miguel Bombarda criou no Hospital um dos primeiros museus de arte de doentes da Europa, c.1894); de Fotografia (6000 exemplares, incluindo as numerosas e raras 1200 fotografias de doentes para estudo da sua fisionomia, de finais do séc. XIX até ao princípio da década de 1930), material clínico, mobiliário hospitalar e um raríssimo e completo arquivo clínico, administrativo e forense, desde 1848.

The Museum is the only one of its kind in the Iberian Peninsula.

Founded in 2004, it has stunning and unique buildings of different epochs. The Security Pavilion (1896), for patients from the penitentiary, by architect José Maria Nepomuceno, shows a unique international avant-garde approach preceding in 30 years the industrial design and architecture modernist revolution of the years 1920 and 1930 (rationalistic rounded edges on the façade, in benches, doorways and windows, to prevent contusions and facilitate cleaning) and is one of the six panoptic (a system of surveillance invented by Jeremy Bentham) buildings in the world and the only one with an open air yard where patients stayed out of his rooms at day time (also to benefit their mental health and to prevent contagious deseases). The Balneário D. Maria II (Queen D. Maria II Bath House), 1853, for different types of therapeutic baths, considered the best in Europe at his time. The XVII century religious house of São Vicente de Paulo, where the hospital was first installed, with beautiful baroque azulejos, the director’s office where Prof. Miguel Bombarda, leader of the 1910 republican revolution was murdered.

And, above all, visitors can admire part of the collections of Outsider Art and Patient Art (6000 works), the biggest and oldest in Portugal (Prof. Bombarda founded here c. 1894 one of the first patient art museums in Europe), expressing huge feelings and creative spirit, of diverse periods, types, media, of hundreds of authors, since 1902, including works by famous Jaime Fernandes, by Joaquim Demétrio, Valentim de Barros or José Gomes, of Photography (6000 items), including 1200 patient face photo-tests (XIX century till the 1930 decade), clinical material, hospital furniture and a very rare systematic medical, administrative and forensic Archive, since 1848.

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O Hospital Psiquiátrico Miguel Bombarda, recentemente encerrado (designado Hospital de Rilhafoles até 1911) foi o terceiro grande hospital a ser fundado em Portugal, com 300 camas, em 1848 (a seguir aos Hospitais de Todos-os-Santos / S.José, em Lisboa, e ao Hospital de Sto António, no Porto) e ficou instalado no vasto edifício da Congregação da Missão dos Padres de S. Vicente de Paulo, construído entre 1730 e 1750 na antiga Quinta de Rilhafoles, adquirida por aquela instituição religiosa em 1720.

Primeiro hospital psiquiátrico fundado no país, sempre assumiu uma posição inovadora na assistência e terapêuticas utilizadas, e nele foram directores a maioria das grandes figuras nesta área da saúde como Caetano Beirão, António Pulido, Guilherme Abrantes, Miguel Bombarda, Júlio de Matos, Sobral Cid, António Flores ou Eduardo Cortesão, e nele exerceram outros como Barahona Fernandes ou o neurologista Mark Athias, além do neuro-psiquiatra João Alfredo Lobo Antunes, sendo ainda de realçar ter exercido no Hospital, o filho deste último, até se reformar, o escritor António Lobo Antunes.

Antecedendo o encerramento do Hospital, um documento  subscrito em Dezembro de 2010 por personalidades de topo da Cultura e Ciência em Portugal (dos quais sobressaem António Damásio, Paula Rego, Júlio Pomar, Eduardo Nery, Joana Vasconcelos, António Lobo Antunes, João Lobo Antunes, Simonetta Luz Afonso, Raquel Henriques da Silva, ou Maria Filomena Mónica) apelou ao Desenvolvimento deste Museu de Sítio (que só faz sentido neste local carregado de história, onde Miguel Bombarda criou c. 1894 um dos primeiros Museus de Arte de Doentes da Europa, e com edifícios classificados e de arquitectura sem paralelo a nível internacional), contra o desmembramento ou mesmo a destruição das valiosíssimas coleções e arquivos, constituindo um Museu autónomo de Arte de Doentes / Arte Outsider e de Neurociências.

A Associação Portuguesa de Arte Outsider, fundada em Setembro de 2011, defende o mesmo objectivo, considerando de relevante importância para a Cultura Portuguesa o Alargamento do Museu para espaços agora devolutos, até porque o IGESPAR estabeleceu como protegidos todos os edifícios do Hospital. Por outro lado, a Associação possui contactos com algumas dezenas de colecionadores e de autores que estão dispostos a depositar ou mesmo a doar um vasto número de obras de arte a um Museu Alargado, de média dimensão, autónomo e com tutela estável.
Um Alargamento que poderá ser conjugado com a instalação, nos bem conservados edifícios, de outras actividades culturais além do Museu, constituindo um novo pólo cultural para a cidade de Lisboa.

Realce-se o empreendedorismo deste projecto, de evidente efeito económico multiplicador para o desenvolvimento do turismo, essencialmente cultural, da zona de Lisboa.

 

BREVE  DESCRIÇÃO  ILUSTRADA  DO  PATRIMÓNIO  ARQUITECTÓNICO, CULTURAL  E  CIENTÍFICO  DO  HOSPITAL  MIGUEL  BOMBARDA

“[…] A fixação da zona especial de protecção (ZEP) conjunta do balneário D. Maria II e do pavilhão de segurança … visa salvaguardar o enquadramento do conjunto classificado … e incorpora e tem em conta, a evolução do espaço quinta/convento/hospital, incluindo os restantes edifícios deste,  […]“
Portaria nº 1176/2010, DR. 2ª série, nº 248, 24 de Dezembro de 2010
(Gabinete do Secretário de Estado da Cultura, Portaria de Classificação)

“A Assembleia da República resolve, nos termos do nº 5 do artigo 166º da Constituição da República, recomendar ao Governo:

1.- A adopção das medidas necessárias à valorização e salvaguarda do património edificado do conjunto hospitalar da Colina de Santana contemplando a necessidade de inventariação e manutenção do seu património com relevo cultural, histórico ou clínico, nomeadamente do panóptico de segurança e do balneário D. Maria II, bem como da sua envolvente, no quadro da responsabilidade do Governo sobre este património.
2.- A preservação e valorização do acervo patrimonial e documental do Hospital Miguel Bombarda, designadamente o balneário D. Maria II e o pavilhão panóptico de segurança, os elementos artísticos, documentais, clínicos e o mobiliário, mantendo-o como espaço museológico ou colecção visitável aberta ao público. […]
Resolução da Assembleia da República nº 99/2011, aprovada por unanimidade em 6 de Abril de 2011, DR., 1ª série – nº 84, 2 de Maio de 2011

Balneário D. Maria II. Logo após a fundação do Hospital em 1848, foi inaugurado pela rainha, em 1853, a Casa dos Banhos ou Balneário D. Maria II, o primeiro edifício construído de raiz em Portugal para tratamento de doentes com perturbação mental. O Balneário D. Maria II é considerado a mais moderna e a melhor instalação desse tipo na Europa. Na concepção do sofisticado sistema de caldeiras, tubagens e equipamentos, participou o proeminente médico Bernardino António Gomes e o sistema foi verificado pelo lente de Física da Escola Politécnica. A sua bela arquitectura reflecte o gosto romântico da época, e conjuga harmoniosamente o revivalismo renascentista e gótico, a então inovadora arquitectura do ferro (gradeamentos e vigas de ferro fundido) e uma exuberante azulejaria de fachada, de toque bem português. A beleza e um certo requinte das instalações, visava atrair doentes externos (cerca de metade dos utilizadores) que, por prescrição dos médicos da cidade, aí se dirigiam para serem tratados aos “nervos”. O Balneário proporcionava diversificados tipos de banhos: sauna ou de vapor com ervas aromáticas, turcos, de onda, duches verticais e laterais, de imersão, quentes, tépidos e frios, ou alternados na temperatura, que os médicos procuravam adequar às várias situações clínicas, como as de agitação ou de depressão.

 

Gravura de 1855, do edifício do Balneário D. Maria II, em corte: à direita a zona de banhos, ao centro as caldeiras de vapor e água quente, à esquerda a moderna cozinha industrial do Hospital, alimentada pelas caldeiras.

 

Pormenor das arcadas e da azulejaria

 

Uma das salas do Balneário, sendo visíveis a piscina e uma das duas cabines de duches laterais

 

Pormenor das tubagens em cobre de uma cabine de duches laterais com dezenas de orifícios para a aspersão da água (1853)

 

Tina de mármore com tubagem incorporada, para banhos semicúpios (1853)

 

Pavilhão de Segurança (1896) edifício vanguardista e panóptico, único em termos internacionais, da autoria do Arq. José Maria Nepomuceno: vista geral do pátio-praça no corpo circularVidé:  Vítor Albuquerque Freire, Panóptico, Vanguardista e Ignorado, o Pavilhão de Segurança do Hospital Miguel Bombarda, Lisboa, Livros Horizonte, 2009

 

Vista aérea do Pavilhão de Segurança em 1948, notando-se o corpo rectangular de entrada e apoio, e o vasto corpo circular

 

Aspecto do pátio, com o vanguardista telheiro suspenso, de telhas de zinco com canelado radial, não paralelo, fabricadas especialmente para o edifício. Aquando do restauro, em 2005, as telhas de zinco foram substituídas e fabricadas outras utilizando moldes. A estrutura em ferro, de precisão quase milimétrica, é a original.

 

Um dos escultóricos bancos fixos, de betão, com os generalizados arredondamentos racionalistas, de secção simétrica em quarto de círculo precursores, a nível mundial, da revolução do design e da arquitectura dos anos 1920-1930.

 

A horizontalidade modernista  e o design experimental de uma das janelas exteriores do refeitório do Pavilhão de Segurança

 

Aspecto de uma das salas dedicadas às Neurociências, no Pavilhão de Segurança.

 

Aspecto de uma sala onde estão expostos parte dos desenhos mais antigos de doentes, no Pavilhão de Segurança.

 

Aspecto da frontaria do edifício principal, antiga Casa-Mãe da Congregação da Missão de S. Vicente de Paulo, construído entre 1730 e 1750, nos terrenos da Quinta de Rilhafoles adquirida em 1720 por aquela congregação religiosa.

 

Lado nascente do edifício principal, de sólida estrutura, que resistiu incólume ao terramoto de 1755.

 

Salão Nobre do Hospital, com painéis de azulejos do século XVIII e tecto arte déco (de 1948) da autoria do Arq. Carlos Ramos. Nesta sala realizaram-se grande número de conferências e actos solenes, em que participaram personalidades como o Prof. Egas Moniz, prémio Nobel da Medicina, Prof. Breuler, Prof. Lopez Ibor, Prof. António Flores, Dr. Almeida Amaral ou o Prof. Eduardo Cortesão.

 

Aspecto de um painel contínuo historiado do Salão Nobre, retratando a vida de S. Vicente de Paulo, com 14 metros de extensão.

 

Gabinete do Diretor, de grande importância histórica, onde o Prof. Miguel Bombarda foi assassinado a 3 de Outubro de 1910, véspera do desencadear da Revolução Republicana. O retrato a óleo do marechal Saldanha atrás da secretária, exibe a marca provocada por uma das balas. Recorde-se que Miguel Bombarda foi o chefe do comité civil que organizou a Revolução que implantou a República em Portugal. O Prof. Miguel Bombarda dirigiu o Hospital durante 18 anos e residia no último piso dessa ala do edifício.

 

Retrato a óleo sobre tela do Prof. Miguel Bombarda, de 1911, da autoria de Veloso Salgado, Museu Miguel Bombarda ( Inv. MD 045). Além da sua notável obra de modernização e humanização da assistência no Hospital de Rilhafoles, Miguel Bombarda, era Presidente da Sociedade de Ciências Médicas, professor de Fisiologia e de Histologia da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, onde desempenhou papel de relevo na reforma do ensino, e coordenou a construção do novo edifício no Campo de Sant’Ana, com traça do arq. José Maria Nepomuceno. Foi o principal organizador do XV Congresso Internacional de Medicina realizado em Lisboa em 1906, fundador e diretor desde 1882 do semanário “Medicina Contemporânea”, autor de centenas de livros e artigos científicos, interventor activo em polémicas públicas. É inquestionavelmente considerado pelos historiadores como o médico mais prestigiado pelos seus pares e o mais famoso entre a população, em Portugal, na sua época, inaugurando a figura do médico com forte visibilidade pública, social e política, que teve vários continuadores, em especial na primeira metade do século XX. Estranhamente, ou talvez não, a incontornável figura de Miguel Bombarda tem sido lamentavelmente esquecida nos últimos anos, por alguns ditos historiadores e médicos, ao mesmo tempo que o “seu” Hospital era encerrado e se anunciava o propósito de destruir património e de construir no local diversos enormes edifícios …

 

Pormenor de escadaria em ferro fundido (final do século XIX) do edifício principal

 

Interior da Igreja da antiga Casa da Congregação de S. Vicente de Paulo, e posteriormente do Hospital, no edifício principal. Além da actividade religiosa hospitalar, aqui se realizaram os funerais dos doentes, incluindo o grande poeta Ângelo de Lima, do artista Jaime Fernandes, com a presença das respectivas famílias, ou dos directores Prof. Sobral Cid e Dr. Almeida Amaral.

 

Sala no edifício principal onde estão expostas fotografias de doentes, consideradas análises da fisionomia para efeitos de diagnóstico, parte da coleção de 1200 exemplares com essa finalidade (desde finais do séc. XIX a princípio da década de 1930).

 

Aspecto das fotografias expostas num dos armários.

 

Raríssima e inédita fotografia de uma actuação de Amália Rodrigues para os doentes do Hospital Miguel Bombarda, c.1969. Um doente oferece-lhe um ramo de flores, e reconhece-se a sala anteriormente mencionada e o guitarrista Fontes Rocha. Fotografia oferecida ao Museu por uma funcionária. As festas (Santos populares, Natal, etc, geralmente acompanhadas de pequenas representações teatrais) e as excursões e idas à praia, realizavam-se todos os anos no Hospital, desde a sua fundação em 1848. A coleção de Fotografia do Museu conserva mais de 1500 fotografias dessas actividades.

 

Pequeno edifício do Laboratório, com sala de autópsias, de 1897, situado perto do Pavilhão de Segurança. É de relevante importância histórica, pois foi aqui que o neurologista Prof. Mark Athias iniciou e desenvolveu as suas investigações em Portugal, durante cerca de 8 anos, vindo da Sorbonne, após convite do Prof. Bombarda. O Prof. Mark Athias é considerado o maior cientista médico português da primeira metade do século XX, a par do Prof. Egas Moniz. Também neste edifício exerceu funções o neuro-psiquiatra João Alfredo Lobo Antunes, pai de António Lobo Antunes (médico-escritor do Hospital Miguel Bombarda durante mais de 30 anos) e do neurocirurgião Prof. João Lobo Antunes. Marck Athias lançou em Rilhafoles o ensino da moderna investigação e experimentação médico-científica em Portugal, sendo então seus alunos personalidades como o Prof. Celestino da Costa ou o Prof. Carlos França (ver História da Psiquiatria em Portugal, pelo Prof. Barahona Fernandes, p. 273)

 

Vista aérea do Hospital Miguel Bombarda, em 1948.

 

Frontaria de um dos 3 blocos ligados por amplo corredor, racionalizando as circulações, do edifício com implantação inovadora em poste telefónico (1886-1894), porventura o primeiro do país com essa tipologia, também de autoria do Arq. José Maria Nepomuceno.

 

Aspecto de uma ampla enfermaria num dos blocos referidos, na década de 1940. O pavimento é de ferro e tijolo e encontra-se em perfeito estado, o que tornará menos dispendiosa uma reabilitação do edifício, excelente para uma utilização museológica ou de arquivo.

 

Além de um tanque e de um poço, também se conservou a Alameda das oliveiras, da antiga Quinta de Rilhafoles (século XVI), que especialistas atribuem a idade de 400-500 anos. Tal como o enorme Telheiro adjacente, depois “fechado”, este espaço destinava-se durante o dia ao passeio das mulheres, ao tempo da direção do Prof. Bombarda.

 

Enorme e elegante Telheiro, em madeira, ferro e telha, com bancos protegidos aos cantos e telas alcatroadas que se colocavam de lado no inverno, projectado em 1893 pelo Arq. Nepomuceno, destinado ao passeio dos homens durante o dia, extremamente singular pela sua funcionalidade e forma. Apesar de este ter sido demolido na década de 1950, conserva-se outro igual, embora depois “fechado” junto à Alameda das oliveiras, e cujo restauro se impõe.

 

O edifício da Cozinha é outra magnífica e inédita obra de arquitectura existente no Hospital Miguel Bombarda, de 1895, também da autoria do Arq. José Maria Nepomuceno. A sua cobertura piramidal integra um complexo sistema de vigas de madeira e de tirantes ajustáveis que convergem ao centro num notável e belo fecho octogonal, sustentando a força centrífuga da cobertura sobre as paredes estruturais. Historiadores, incluindo os técnicos do IGESPAR, não conhecem qualquer cobertura semelhante.

 

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Pela continuidade e desenvolvimento do Museu de Pintura de Doentes e das Neurociências no Hospital Miguel Bombarda

– Apelo à Senhora Ministra da Saúde e à Senhora Ministra da Cultura

O Pavilhão de Segurança, Enfermaria Museu, do Hospital Miguel Bombarda, Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, é, actualmente, um espaço museológico singular e de enorme valor, apesar de ainda pouco conhecido pelo grande público.
De criação recente, dotado de meios financeiros e humanos muito reduzidos, embora com o apoio da estrutura hospitalar, o Museu consubstancia um projecto que foi ganhando forma e dimensão. Merece especial destaque o estudo histórico que conduziu à classificação como Imóveis de Interesse Público, em 2001, do edifício e do Balneário D. Maria II, bem como as obras de restauro e, paralelamente, a permanente recolha e salvaguarda do património móvel do primeiro hospital psiquiátrico do país, fundado em 1848.

Recorde-se que neste Hospital ocorreram as principais inovações no domínio da psiquiatria, através do exercício das suas grandes figuras, como Miguel Bombarda, Júlio de Matos, Sobral Cid, Barahona Fernandes, Eduardo Cortesão, ou ainda o neurologista e cientista-médico Marck Athias e, noutro registo, o escritor-médico António Lobo Antunes.

O Pavilhão de Segurança, de 1896, não é um edifício onde se instalou um museu, antes constitui uma importante componente museológica, tal como acontece nas Casa-Museu. É um dos raríssimos edifícios circulares panópticos existentes no mundo, aqui com pátio a descoberto (para beneficiar o estado mental dos pacientes e prevenir a transmissão de doenças) e apresentando arredondamentos generalizados de arestas (para evitar contusões). Estes aspectos racionalistas, aliados a uma cativante beleza de escala e proporções, fazem dele uma construção de vanguarda a nível internacional, precursora do design e arquitectura modernas, das décadas de 1920 e 1930. O seu recente restauro, realizado com absoluto critério, permite, a todos os visitantes, a compreensão imediata destes valores.

O Museu dispõe de vários arquivos específicos, mas complementares: um arquivo de centenas de livros manuscritos, e outros documentos (como os relativos a Miguel Bombarda), dos quais se destacam os livros de registo de todos os doentes desde 1848 (identificação, idade, diagnóstico, etc), de enorme relevância para diferentes domínios científicos; o acervo de material clínico e hospitalar, remontando ao séc. XIX; um arquivo fotográfico (mais de 4500 exemplares), incluindo 1100 notáveis fotografias de doentes (um elemento de diagnóstico da época), de finais do séc. XIX até à década de 1930, uma colecção única no país, além das imagens sobre o quotidiano hospitalar ao longo do tempo.

O Museu dispõe ainda da mais antiga e maior colecção de Pintura de Doentes do país (incluindo também desenhos, pequenas esculturas ou azulejos), permitindo a descoberta e a revelação de uma outra arte portuguesa, com 3500 obras, desde 1902. Elas abrangem uma rara gama de temáticas, abordagens e emoções, de artistas como Jaime, Hélio, Demétrio, Valentim ou José Gomes, a maioria de genuína Outsider Art – Art Brut – Arte Crua (conceito inventado por Jean Dubuffet para designar a arte fruto do sentir profundo, espontânea e desligada das tendências dominantes, de autores sem formação ou autodidatas) mas também arte naif e arte convencional.

Realce-se que Miguel Bombarda criou, no Hospital, uma colecção/museu de pintura e poesia de doentes, das primeiras no mundo, ainda no séc. XIX, lamentavelmente desaparecida há muito, por incúria que importa não esquecer … E que no Hospital e no Pavilhão esteve internado, por trinta anos, Jaime Fernandes, artista português de Outsider Art – Arte Crua de renome internacional, representado no Museu de Lausanne, fundado por Dubuffet, na Colecção ABCD, e exposto em Nova Iorque. Os geniais desenhos de Jaime, perante a ignorância da direcção hospitalar foram então em parte destruídos, salvando-se os guardados por alguns funcionários.

Vários beneméritos têm depositado obras no museu, que se tornarão doações se o projecto continuar no local. Destaque-se um desenho-pintura de Jaime Fernandes e um guache de António Gameiro, de 1902, que certamente integrava a colecção recolhida por Bombarda … E muitas outras obras serão com certeza doadas.

O Museu homenageia as pessoas com perturbação mental, a sua sensibilidade e inteligência, contra o preconceito. O único museu do país de Arte Crua – Outsider Art é reconhecido no estrangeiro (o site da Colecção ABCD, de Paris, a segunda mais relevante, a seguir à de Lausanne, integra-o na lista deste tipo de museus).

Apesar de pouco divulgado pelos media, foi visitado por cerca de 15000 pessoas, destacando-se as visitas de grupo, de estudantes e de associações culturais. Tem participado em todas as Jornadas do Património e Dias dos Monumentos, com exposições temporárias e conferências, e tem estado aberto à realização de espectáculos e até à rodagem de filmes. É membro da Associação Portuguesa de Museologia e da Associação Europeia dos Museus de História das Ciências Médicas.

Mas, o encerramento do Hospital Miguel Bombarda no final do ano de 2010, coloca em perigo imediato a própria existência deste notável Museu de Sítio, dado que a Senhora Ministra da Saúde, até agora, não garantiu a sua continuidade. A gravidade da situação é acrescida neste momento com a decisão de destruir a parte antiga dos arquivos, incluindo processos clínicos e documentos desde o séc. XIX, configurando uma perda irreparável.

No entanto, o encerramento do Hospital pode constituir uma oportunidade única para desenvolver o projecto museológico e dotá-lo de autonomia e de meios de suporte sólidos, até com custos reduzidos.

Portugal, a cidade de Lisboa, a arte e a ciência, muito têm a ganhar com a existência de um Museu identitário e de prestígio, dedicado à Outsider Art – Arte Crua e às Neurociências. Uma arte reconhecida internacionalmente (quase ignorada entre nós), e que é também factor de humanização e de auto-estima para as pessoas com perturbação mental. Além da dimensão artística, ele é igualmente relevante para a ciência, sendo já, no local certo, um pólo de um futuro Museu da Medicina e da Assistência.

O desenvolvimento do Museu, nestes moldes, compreenderia o aumento do acervo por doação e aquisição; incluiria, além do Panóptico, o belíssimo Balneário D. Maria II (de 1853, com o seu equipamento para banhos terapêuticos psiquiátricos, considerado na época o melhor da Europa) e os actuais arquivos e serviços administrativos do Museu; finalmente, a área estritamente protegida adjacente ao Balneário no edifício conventual, onde se situa a entrada, com a imponente escadaria em ferro e o gabinete onde o Prof. Miguel Bombarda, dirigente da revolução republicana, foi assassinado (zona prevista de utilização pública pelo próprio estudo prévio da Sagestamo, empresa pública que adquiriu os terrenos, apresentado na CML).
Este crescimento tornará possível a existência de salas para exposições temporárias, para o melhor acondicionamento das preciosas colecções e arquivos (incluindo os processos clínicos), com centro de documentação e pesquisa próprio, auditório (no Salão Nobre, com painéis de azulejaria do séc. XVIII), loja e café, e, bem necessário mas também simbólico, o funcionamento de um Atelier de Arte Crua, espaço aberto e vivo, onde doentes poderão criar com prazer e livremente.

O desenvolvimento do Museu, (com custos, incluindo o restauro do Balneário D. Maria II, co-financiados pela EU, correspondentes a uma pequeníssima parcela do produto da venda do hospital, 25 milhões de euros) não é incompatível com a urbanização da maioria dos quatro hectares do terreno. Antes pelo contrário. O Museu ganhará significativamente em acessibilidade com a abertura de uma entrada pela Rua Gomes Freire. E os edifícios a reabilitar ou a construir serão enquadrados pelos belos imóveis museológicos, não descaracterizados.
Certos da justeza do exposto, da consequente valorização cultural que proporcionará ao país, sem esquecer o efeito económico multiplicador de um foco sui generis de turismo cultural, apelamos à Ministra da Saúde e à Ministra da Cultura que assegurem, urgentemente, a continuidade do Museu no local, bem como o seu desenvolvimento, aproveitando positivamente as transformações anunciadas.

Lisboa, 23 de Dezembro de 2010

Subscritores

– Simoneta Luz Afonso (Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa)
– Raquel Henriques da Silva (Professora de História de Arte, Universidade Nova de Lisboa)
– Luís Raposo (Presidente da Comissão Nacional Portuguesa do ICOM, International Council of Museums)
– João Neto (Presidente da APOM, Associação Portuguesa de Museologia)
– António Lobo Antunes (escritor e médico psiquiatra)
– João Lobo Antunes (Professor Catedrático e neurocirurgião)
– Manoel de Oliveira (cineasta)
– Júlio Pomar (artista plástico)
– Eduardo Nery (artista plástico)
– Joana Vasconcelos (artista plástica)
– Rui Mário Gonçalves (Professor Catedrático Jubilado, Historiador de Arte)
– Vítor Serrão (Prof. Catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa, Instituto de História de Arte)
– José Meco (Historiador)
– Maria Margarida Cordeiro (cineasta, filmes “Jaime”, “Trás-os-Montes”, etc, com António Reis, psiquiatra)
– José Aguiar (Arquitecto, Presidente do ICOMOS, International Council of Monuments and Sites, Portugal)
– José Joaquim Nogueira da Rocha (Prof. da ENSP, Presidente da Sociedade de História dos Hospitais)
– José Morais Arnaud (Presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses)
– Maria Filomena Mónica (Doutorada em Sociologia, investigadora e escritora)
– António Barreto (Presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, sociólogo)
– Paula Teixeira da Cruz (advogada)
– Miguel Sousa Tavares (advogado)
– Helena de Freitas (Directora do Museu Casa das Histórias Paula Rego)
– Alexandre Pomar (Jornalista)
– Paulo Ferrero (Dirigente do Fórum Cidadania Lx)
– João Pinharanda (Historiador de Arte, Curador, Conselheiro da Fundação EDP)
– António Pacheco Palha (Presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental)
– Adrián Gramarry (Director Clínico do Hospital Conde Ferreira, Porto)
– António Roma Torres (Director da UAG de Saúde Mental e do S de Psiquiatria do Hospital de S. João, Porto)
– Carlos Mota Cardoso (Prof, de Psiquiatria da Faculdade do Porto)
– Ana Leonor Pereira (Prof. da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, directora do CEIS20)
– João Rui Pita (Prof. da Faculdade de Farmácia da universidade de Coimbra, investigador do CEIS20)
– John Maizels (Director da principal revista internacional de Outsider Art , Raw Vision)
– Lucienne Peiry (Directora do Museu de Art Brut de Lausanne, considerado o melhor do género a nível mundial)

Depoimentos de Apoio

Prof. António Damásio (Professor de Neurociências, Director do Instituto do Cérebro e Criatividade, Universidade da Califórnia do Sul)
“Espero que o Museu de Neurociências e Arte de Doentes do Hospital Miguel Bombarda possa ser salvo na sua totalidade. A destruição desses arquivos representaria uma enorme perda”

Paula Rego (artista plástica)
“Existem em Lausanne, em Nova York em todo o mundo museus dedicados a Arte Marginal “Art Autre”.
Visões directas do Inconsciente que nos ensina e nos comove profundamente. É a arte que mais admiro.
Dediquei anos ao Henry Darger empregado de hospital de Chicago sem treino artístico que criou um mundo belo e negro de fantasia contando a história das Vivian Girls.
Desenhar pintar esculpir bordar fazer misturas é o melhor tratamento, o único mesmo, para as angústias mentais.
Os aflitos têm de ter acesso a espaço com material de arte para eles próprios descobrirem o que os tortura “